Naquela Manhã


Acordou com o sol a espremer-se entre as persianas da janela. Aquela janela de portadas de madeira desgastada e de tinta verde-escuro a descascar, deixava entrar um sopro de vento frio da noite. 
Nunca seria capaz de concertar aquela portada, tinha receio de que se o fizesse e o frio da noite não voltasse a temperar o seu quarto ao escurecer, deixasse de sonhar que voava.
E voava quase sempre que fechava os olhos.

Aquela manhã clara de inverno envolvia-o. E, querendo sentir a estação na pele, não vestiu senão uma camisola de manga curta, fina e escura, mais apropriada a um clima mais quente. Doía-lhe o peito ao inspirar o ar frio. Doía-lhe docemente, e por dentro, os músculos das costas. Forçou novamente o ar dentro dos pulmões, enchendo-os até ao seu limite. Estava vivo.

Naquele local recôndito sentia-se como se num planeta distante. Já tinha sonhado com isto. 
Sozinho no meio do vazio, de um verde-claro brilhante que lhe feria os olhos. Outra dor que lhe sabia a doce. Sozinho. Isolado. Frio. Verde e azul claro. Só isso.
Conseguia falar consigo próprio. Perceber quem era.

Ao voltar à rotina do dia perdia-se nos outros. O que eles diziam. O que eles faziam. O que esperavam que ele disse-se e fizesse também  Perdia-se. Não se conseguia concentrar. Queria tudo ao mesmo tempo, estar com todos e falar com todos. Talvez porque não conseguia suportar a ideia de os desiludir. Ou então porque o passado tinha sido bom demais para agora admitir que seguira em frente. O tempo que não volta.
Isso já não sei, o leitor não sabe, ele também não.

Fica o sol de inverno na pele e o frio do vento no peito.

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