Um dia vou aprender a falar sem palavrões.

Um dia ainda vou ser uma mulher de classe. Daquelas que fala quase entredentes, pressionando os lábios, tornando-os carnudos, mas nunca de forma exagerada.

Vou dar passos pequeninos e delicados, sem nunca olhar o chão, decidida, levitando, confiando na lealdade da calçada para não me fazer cair.
Um dia destes peço o descafeinado, cheio, com açúcar, só com o indicador direito, por entre os óculos escuros e o chapéu ligeiramente inclinado sobre a testa. Toma-lo-ei com toda a cerimonia e gestos calmos, com certos tiques delicados, enrolando o remanescente do açúcar antes de pegar a colher, mexendo depois, suavemente e em círculos da esquerda para a direita, levantando-a, lentamente, até ao topo deixando as ultimas gotas ainda dentro da chávena. Segurando-a entre o indicador e o polegar direito, com o mindinho ligeiramente, mas não de forma óbvia e foleira, levantado sorverei em pequenos goles.

Um dia destes de vento saio à rua com um lenço de seda branco sobre a cabeça, enrolado no pescoço e a carteira, pequena, presa no cotovelo esquerdo.
Vou andar sempre de saltos e conjugar cores estranhas com os sapatos. Ter as unhas sempre impecáveis e o cabelo sempre arranjado.
Não vou sair à rua sem maquiagem, um eyeliner preto prolongado sobre a pálpebra, daqueles que se coloca com pincel. Um dia vou usar sempre batom vermelho e tirar da gaveta o meu chanel nº 5 sem críticas.

Vou andar naqueles carochas antigos depois de, em segredo, o restaurar durante o verão. Pinta-lo de amarelo e abrir-lhe a capota nos dias de calor. Vou andar pelas estradas nacionais para cheirar a terra molhada depois de uma tempestade.
Vou reconstruir uma casa do século dezoito.

Um dia vou sentar-me numa explanada com mesas de ferro trabalhadas, pintadas de verde, e toalhas aos quadrados vermelhos e brancos. Pedir um cappuccino, um gâteau e ler um livro numa língua estrangeira qualquer. Vou ouvir violinos e fumar um cigarro comprido através de uma boquilha preta.

Um dia vou aprender a cruzar as pernas de forma sensual, lentamente e sem derrubar os copos pousados em cima da mesa. Vou sentar-me direita sem escorregar nas costas da cadeira, falar sobre poetas do século quinze, teatro e cinema.

Vou ter daquelas rotinas características, mais como pequenos actos reconfortantes que se repetem todos os dias. Chegar a casa e abrir as janelas. Beber vinho em copo de pé alto. Ouvir musica do gira-discos da sala. Fazer a cama com lençóis de cetim brancos.

Vou ter uma banheira no meio da casa-de-banho. Uma cama redonda perto da varanda. Uma cor em cada divisão. Uma biblioteca toda em madeira. Uma colecção de vinis. Um cadeirão suspenso no quarto. Uma sala de estar sem televisão.
Um dia vou aprender a falar sem palavrões e sem pretensões, praticar equitação, frequentar bailes de carnaval em Veneza, ballet em Moscovo, chocolate quente em Genebra.

Um dia destes talvez seja tudo isto… um pouco mais à minha maneira.

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