Divagações de um não escritor

Como escrever um livro?
Sabes, um romance, uma história de encantar com fadas e finais felizes e sorrisos no leitor. Talvez antes um policial, um suspense qual Agatha Christie, criar uma personagem superior a si própria, um Sherlock…
A melhor opção serão, provavelmente os livros infantis, criar a nova capuchinho vermelho… ou juvenis, sim! Um novo Potter!
Mas essa imaginação fértil já se me perdeu há uns anos, passando a pensamentos catalogados como “estúpidos” numa gaveta qualquer das ideias fantásticas que me surgem. Acho que isso acontece quando se cresce.
E um livro todo com aquelas linguagens de “sms” e gírias baratas como “tipo” e “fixe”? Vendia de certeza.
E uma crítica à sociedade, à economia actual, à política e ao que está mal. Não! Isso definitivamente estaria fora de questão. O que o leitor não quer é deitar-se a pensar naquilo que ouviu durante o dia todo: está mal! – já sabemos!

E será que é importante o enredo?
Devia começar a criar umas personagens, prever a sua evolução, dar-lhes profundidade. Esconder pistas que só se percebem no último capítulo, quatrocentas paginas depois.
Não, se o leitor fosse eu, a partir da centésima já me tinha esquecido desses pormenores, ou pior, desconfiava logo quando os lesse! Isso também não me parece boa ideia.

Mas quatrocentas paginas…. “Os livros que mudam o mundo são sempre curtos”. Concordo, os grandes volumes são grandes tombos de incómodos práticos na leitura. Não! Antes uma leitura leve e agradável que fique na memoria. Como as canções “pimba”.

Auto-ajuda é sempre um bom tema. Mas por aí é que nem vou… tentar ajudar os outros quando o que me falta a mim é a filosofia própria. Filosofia ou psicologia, seja lá o que for, o resultado insano é o mesmo.

Um livro sem personagens humanas, somente símbolos da natureza, que escondesse uma mensagem subliminar de paz e amor.
Bah! Provavelmente seria confundida com um qualquer hippie do século vinte e um. O flower power está retro demais, mesmo que me digam que o retro está na moda (que grande incongruência esta!). Se não fosse com isso faria ressurgir a moda antiga do “ao contrário” como nos anos setenta e os discos de vinil. Sinceramente: era uma simples desculpa parva para estragar LP’s.

Isso é outra coisa que não compreendo no mundo da escrita: tudo tem significado, tudo tem que ter significado. Vamos lá matar a beleza da língua com a gramática, e no fim andam os putos a escrever todas as palavras com”x”.
Eu também não posso falar. Erros são quase o ar que respiro. Já devia ter ido ao médico para o diagnóstico desta tão certa dislexia. Ou então não, já que cheguei à faculdade com ela é porque não me safo mal, alem de que, basta-me manter o corrector ortográfico do Word actualizado.

Mas quem é que disse que se escreviam assim certas palavras? Nunca percebi isso. Ah, sim, temos a justificação da formulação dos verbos (mais uma vez a gramática, começo a desconfiar!) e a origem no latim, etc. Não me parece o suficiente, se não, porquê retirar o latim das escolas secundarias?
Mas a essa ultima até eu respondo: o governo está a tentar por os putos mais burros, cada vez se ensina menos em mais tempo. Cá está, um bom tema para um livro!
Não, é uma crítica social na mesma, já fugi ao meu ponto.

E que tal um diário. Talvez de época e ser uma nova Anne Frank. Talvez não… já me disseram também que não é lá grande autora esta, nada de sequela…
Ou talvez um diário actual, começar em 2011: um ano na vida de alguém. Mas isso também era necessário esperar uns anos para ter interesse histórico, porque, ou lhe introduzo algum problema com drogas ou distúrbios alimentares ou não há produto de venda.
A questão é que não conheço ninguém com esses problemas (pelo menos não directamente) e seria estranho fazer pesquisa sobre isso: com um caderninho pequeno e um lápis na mão a seguir insistentemente o toxicodependente mais falado da zona… não me parece boa ideia.
Uma pessoa até tem de sofrer por ter uma vida normal! Desculpem lá se a minha existência é tão rotineira, não se pode fazer grande coisa quando se está a pensar nas cadeiras a fazer este ano, no dinheiro que se tem para a próxima noite ou se realmente preciso de ir aquela aula teoria de sucessões…

É isso! Um diário da minha vida em Coimbra, a cidade dos estudantes em 2011!
Não, também já foi feito. E não há maneira de competir, passa-se na altura da revolução dos cravos e no luto académico. Que tenho eu para mostrar neste ano? Um discurso estranho do senhor primeiro-ministro a demitir-se do governo depois de ser recusado o seu pack 4. Por acaso até foi um momento de tenção grande nas mesas do cartola, mas depois não deu para falar no assunto porque tinha reunião do carro (da queima das fitas) às nove e meia… prioridades!

Nada, mesmo nada de especial.
Mas, lá está, era uma coisa que gostava de fazer.
Lembro-me perfeitamente no nono ano de escolaridade de fazermos uma linha cronológica da nossa vida até ao trinta anos de idade com a psicóloga orientadora.
Presumo que o objectivo fosse o de nos fazer pensar naquilo que íamos estar a fazer nos anos que se aproximavam, mas eu já sabia: ia publicar um livro antes dos vinte, um romance mesmo romântico. Acho que tinha visto à pouco tempo aquele filme “A paixão de Shakespeare” e fiquei com a ideia de que podia escrever sobre o verdadeiro amor como nunca tinha sido feito antes (com sorte ainda ganhava uma aposta qualquer).
Mas não aconteceu. Não escrevi, melhor dizendo. Devo ter começado pra’i três historias, com as tais personagens complicadas e enredos intrincados, e, a meio, esquecia-me da piada da historia. Deixava de me surpreender a mim mesma, a partir do momento em que já sabia como terminava perdia o interesse de a escrever, afinal, o leitor mais ávido já estava satisfeito nessa altura.
Se calhar além da dislexia devia acrescentar à lista a esquizofrenia. Escrever livros na cabeça para eu própria ler?!

Bem, mas o que importa é que outras coisas foram acontecendo nesta minha vida normal. E vidas normais não fazem livros.

Devia assumir uma personagem num mundo encantado, qualquer coisa ainda não muito explorado, como naquele filme dos sonhos com o Brad Pitt. Aquele em que as ruas se moldam com o pensamento e ele anda sempre com um pião no bolso para confirmar se está acordado… se calhar era o Leonardo Dicaprio, não sei, são os dois loiros e com cara de pinga-amor. Mas lá está, foi um bom filme. Quer dizer, deduzo que seja, só a meio começou a fazer sentido para mim, juro, se tivesse pipocas tinha perdido completamente o interesse naquilo. É o que faz a avareza, pois, porque só uma pessoa muito sovina vai ao cinema ver o filme mais longo que estiver em exibição: pela mesma quantia estou lá mais tempo!
Já com essa teoria me fui perdendo com o “Avatar”. Sim senhor um filme a três dimensões, com óculos mais fashion do que os tristes em cartão com um papel em azul e outro em vermelho a fazer de lentes (ai os anos oitenta…). Agora, com estes novos, a malta até os adapta para sair à noite e dizer a frase da moda: “Tou mesmo a ver tudo em 3D!”.
Parecia-me mesmo algo que valia a pena ver, era de duas horas e tudo, compensava.
Ora, primeiro desconhecia a obrigatoriedade da compra dos óculos para além do bilhete de cinema (uma coisa não implica a outra?), acrescido o ultraje de pedirem para devolver no final: bem que paguei por eles, siga para a noite. Ainda mais que nem sequer o trailer do filme tinha visto, pensava que aquilo era só bonecos azuis e alegria.
Na sala de cinema as luzes baixam e os trailers de outros filmes começam a passar, mais a publicidade para abrir o apetite a quem ainda não tenha comprado pipocas. Os lugares eram demasiado para a direita do ecrã, de três dimensões vi somente a cabeça do rapaz da frente, mais, os trailers nunca mais terminavam. Ainda pensei: se o filme é para durar duas horas porque que ‘tavam a por tanta palha nos anúncios?
E continuava. Um trailer muito comprido, quase que contavam a história toda na publicidade, pensei. Até que começam a aparecer os bonecos azuis.
Diga-me lá se não é estúpido colocar o título filme no final? De que nos serve ele nessa altura? Se calhar até tinha saído para ir à casa de banho e não fazia a mínima ideia de que estava a perder o que tinha pago para ver. Era o mesmo que escrever um livro e colocar o título na contra capa…

Se calhar nem era má ideia. Um livro escrito de traz para a frente. Afinal há pessoas que somente dessa forma lêem o jornal (não comento). Não, isso também já foi feito. Lá o equivalente à bíblia, nas arabias ou quê, penso que é assim, depois não deixam o pessoal ser canhoto. Ah! Espera… esses são outros.
Prefiro antes ler só as “gordas”. Do jornal, claro. É o mais inteligente a fazer: sabes o relevante sobre o dia para poder brilhar numa conversa, sem ser chato com pormenores. De contrário caímos no banal. É como aquelas pessoas que ao comentar o tempo não se limitam com as observações do género “está de chuva” ou “este calor mata”. Não lhes chega! Introduzem logo os “porquês” ou previsões para o resto da semana. Conjecturas nada úteis que simplesmente alongam uma conversa que já de si devia ser curta pois, convenhamos, só se fala do estado de tempo para ter tempo de olhar para o relógio enquanto o outro confirma a veracidade dos factos acabados de dizer, olhando para o céu.

Outra coisa a pensar é a sequência de acontecimentos, da história objectivamente falando. Pode ser na verdade um facto sobrestimado. As divisões em capítulos, ou então com aqueles símbolos hieroglíficos estranhos em estrela ou losango cujo objectivo é, na verdade, dar uma oportunidade ao leitor para descansar os olhos num local apropriado, e de colocar o seu marcador de livros.
Estranho, novamente, isso das palavras. Por exemplo, losango é uma palavra com o qual nunca tive problemas até aos meus vinte e um anos, quando alguma alma caridosa se deu ao trabalho de me corrigir a forma como a pronunciava. “Lusangolo” sempre me pareceu correcto. Nunca ninguém se tinha importado com aquela falha. Como é que é possível? Poderia pensar que nem é uma palavra muito usada na oralidade, esquecendo o pormenor da geometria (que eram aulas onde eu fazia por passar despercebida), mas os casos foram-se multiplicando.
Não é “catetico”, é caquético. Não é “asteristico” é asterisco. Como era possível eu saber isso sem ninguém me avisar?
Com estas pequenas coisas vão-me preocupando as falhas que ainda ninguém se lembrou de me apontar, por pensarem ser perda de tempo, provavelmente. É sempre mais útil desperdiçar saliva num diálogo sobre o estado do tempo.

Mas lá está, é a mesma questão com os psicólogos. Se tiveres um problema e não souberes exactamente qual ele é, sais da conversa com a carteira mais leve e a saber o mesmo. “Porque pensa que se sente assim?” Ora, obrigada pela orientação esclarecedora, com esta questão abriu-me o terceiro olho para o conhecimento da minha personalidade e para a chave do meu bloqueio emocional.
Talvez não seja assim. A minha experiencia, pessoal e limitada, isso me diz. A orientação psicológica dada na escola não me serviu de muito, excepto para me aperceber, aos quatorze anos de idade que não era normal uma psicóloga meter constantemente baixa por sofrer de depressão. Até eu na altura tinha deduzido que seria do facto de, em pleno inverno, a mulher andar de sandálias, luvas e casaco de cabedal. Mas devia ser só de mim.
O ponto é que, se eu não soubesse o que queria ser naquela altura, ficaria basicamente a saber o mesmo.
Na verdade é tudo uma mariquice. Ninguém orienta ninguém para o caminho correcto na vida, pode-se até apontar o caminho, mas o norte já está gravado na pessoa que o vai seguir. Se tu não sabes qual é o teu norte, ninguém o vai descobrir por ti.

Esse norte para mim nunca foi problema. Quanto a bússolas, a história é outra. Por isso mesmo nunca me interessei por histórias de aventuras tipo Indiana Jones ou Senhor do Anéis… Livros que exigem mapas logo após a página dos agradecimentos confundem-me. O mesmo se passa com as bandas desenhadas.
Ao crescer adorava as bandas desenhadas da Disney, mas lá está, fixava-me demais nos bonecos para ligar á história. E quando encontrava lá um pato com o bico deformado esquece, toda a página aos quadrados passava a branco.
Se calhar por isso nunca fui muito na onda do “Uma aventura”… mas afinal aquilo são histórias ou bandas desenhadas? O intermédio é sempre uma coisa estranha, como o ser bissexual. Digo eu que, mais uma vez, não estou dentro do assunto. Não condeno (não há nada a condenar, por isso seria ridículo), simplesmente desconheço. Novamente mea culpa. Outra coisa sobre a qual não estaria qualificada para escrever, por falta da necessária solenidade na abordagem.

O mais importante será, talvez, a originalidade. Aquela coisa diferente, carregada de factor “f” que ninguém sabe descrever mas todos reconhecem. Podem dizer que a história lhes foi ditada por uma voz do além enquanto se fazia a rotineira viagem de comboio para o trabalho, ou que simplesmente viram uma luz e se sentaram a escrever desenfreadamente até à exaustão. A mim parece-me tudo um pouco estranho. Vozes do “além” e loucuras inesperadas assim me parecem sempre. Aqui talvez devesse entrar a senhora das sandálias que, ao menos, conseguiria, na certa, encontrar pontos empáticos.
Acredito mais no trabalho, na dedicação e na verdadeira paixão. Em conjunto, claro, com dois dedos de testa para reconhecer aquilo que verdadeiramente vale a pena.
Como tudo na vida.
Não acredito, por exemplo, que aquele grande senhor se tenha levantado um dia e lembrado “Ah! Que se lixe isso da pontuação, essas teclas da máquina de escrever saltaram, encaro isso como uma voz do além a desafiar-me para um escrito corrido. ‘Bora lá ver o que sai!”.

Sim, porque aposto que todos os grandes escritores usam máquinas de escrever à antiga. Daquelas com fitas magnéticas e o “plim” ao fim de cada linha. Isso dos computadores tira a beleza às coisas. Não se sentem as palavras, além de que esforça muito mais os olhos, acredito que a próxima geração de não-posso-viver-sem-internet-e-video-jogos vai ser uma de míopes! Já no meu tempo se criticava a geração vegetar-à-frente-da-televisão, quanto mais!
Além de que se parte do pressuposto de que toda a gente tem capacidade para manusear minimamente um computador. Agora ainda estendem isso para os i-pad, i-pod, i-meu deus que coisas desnecessárias! Telemóveis com acesso à internet, internet com acesso ao telemóvel. Videoconferências, teleconferências. Criamos a busca pela “Aldeia Global” pela nacionalidade europeia, só para depois arranjarmos todas as desculpas possíveis para não termos de estar na mesma sala com outro ser humano.
O verdadeiro ultraje: nem às compras se vai mais… manda-se vir pela net! Agora quando estiver irritada vingo-me carregando no “enter” em todos os artigos que me aparecerem à frente… fico tão aliviada no final!

É por isso que não me dou lá com histórias do tipo do “Matrix”. Piorando, em vez de um, fez-se logo três. Aposto que metade das pessoas foi ver pelo mesmo motivo que eu fui ver o “Avatar” e perderam-se da mesma forma. Vejam antes “O Padrinho”, tem três horas na mesma, e são dois (só dois) filmes valoráveis (por coacção moral nunca me foi permitido ver a parte III, por isso não me julguem por snobismo).
Não seria um tema muito bom para se abordar, portanto. Com cada palavra iria sentir-se o meu pleno ódio pelas novas tecnologias. São realmente úteis, principalmente quando estas num hotel, cujo parque de estacionamento subterrâneo funciona por cartões magnéticos e há uma falha na corrente eléctrica, quando te preparas para sair. Falha que dura, digamos… quase cinco horas. Nessas alturas esse meu ódio não dá sinais de diminuir.

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