Outra


Se fosses outra tinhas compreendido. Mas não. 
Não ouviste o apelo silencioso que expirou por entre os lábios a ultima vez que te falou. A tua mente estava longe, nem olhavas nos olhos, agora que estava à tua frente. 
Disfarçavas do mundo e falhou-te aquele pequeno toque que poderia ter sido definitivo.

Só queria ter deixado cair a máscara, deixa-la estar no chão, sem importância,  pisa-la, parti-la – porque ela é de porcelana fina, branca, talvez mesmo japonesa.
E os rótulos brilhantes, as faixas luminosas que carrega ao peito – queria rasga-las e esquece las – rir na cara do mundo que as torna obrigatórias. Fechar-se noutro mundo personalizado que seria a liberdade e o infinito – fazer isso só contigo, era esse o seu pedido.

Mas não reparas-te. 
Alias, nenhum de vocês reparou: o que pediu e o que estava a ser pedido. 
Mais uma vez calaram o som da manhã, ou da tarde, ou da noite – já nem sabias que horas eram.
Sentias a brisa do mar. 
Se era o mar que estava lá à frente… também não viste isso.

Agora recordam-se locais que não aconteceram. Um topo de montanha, uma floresta algures… tu não sabes concretizar – o momento real ficou suspenso, 
coloca-o onde quiseres. 
Multiplica-o por horas, semanas ou anos – é como quiseres.

Mas o que importa é que não compreendes-te.

Perde-te, portanto nesse lago de memórias inexistentes. 
Sonha com elas durante o dia. Ao atravessar a passadeira, ao falhar a paragem do comboio, ao entornar o café na esplanada, ao acordar a meio da noite.

Perde-te. Julga-te encontrada, fica feliz por isso. 
Arranha a cara. Parte uma unha, ou um salto. Bebe um bagaço ao meio-dia.

Ignora o quotidiano como se ele não importasse. 
Não te apaixones por romances clássicos, perdes-te nas suas primeiras linhas… eles acumulam-se na tua mesinha de cabeceira. Diz a ti mesma que não consegues ler por cansaço ou fraca luz.

(Se fosses outra.)
Faz o que quiseres,
O necessário para disfarçar para ti a tamanha estupidez que tens a perfeita noção de possuir…

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