2:46

Ninguém lhe nota os movimentos típicos, as pequenas manias que ela mantém, todos dias ao acordar. Criados inconscientemente pela rotina de quem aprecia a precisão dos pormenores, são, estes, repetidos para ninguém ver.
Há um certo prazer no segredo guardado para si mesma.
Mantém alguns destes tiques em público. Esconde o segredo ao nível dos olhos. O prazer aqui é maior – mais perigoso – quase lhe sente a acidez da revelação. Mas a pista limita-se à marca do batom, vermelho, no canto do copo de cerveja.

Como é adorável pensar que cada pessoa guarda, para si, estes segredos deliciosos de manter.

Num local apinhado é isso que procura: a curiosidade pelos pequenos movimentos privados de algum ser em detrimento de outro. Aqui o prazer está em descobrir quais destes segredos se revelam antes das apresentações formais. Talvez antes mesmo do reconhecimento mutuo – um pouco como esperar o som da trovoada antes do seu relâmpago. O interesse, aqui, está em contar os segundos que os separam…

“Um mississipi,
Dois mississipi
Três mississipi…”

Sorri.
O cabelo está novamente despenteado.

Um gole de cerveja borra novamente o batom – o espaço ilumina-se de branco, são 2:46 da madrugada.

Comentários

Mensagens populares