Mais alma que soldado


Os anos passam e a minha apatia não se altera, na verdade torna-se uma parte indispensável do meu ser, um órgão vital do meu corpo e da minha alma. Graças a ela sou mais pensamento, sou mais reflexão, sou mais método do que instinto e mais lógica do que sorte. A minha vida é um plano e não um destino.

                Conceito estranho esse de destino, talvez de quem pretende atribuir créditos dos seus males à inevitabilidade da vida e do tempo. (Não sei se acredito.) Tudo o que faço é pensado e tudo o que vivo é consequência do que faço, logo, as consequências já as sabia quando as acções que as criaram emanaram do meu ser. Só se falarem daquelas consequências mais imprevisíveis. (Não sei se não acredito.) Natural de compreender é isso mesmo, na verdade: são as que não esperava pois a acção não foi eficazmente calculada ou os elementos aleatórios eram mais do que tinha considerado.
                A vida é matemática.
                A considerar tem-se sempre as pessoas que te rodeiam, dependendo se se trata de amigos, colegas, conhecidos, família ou simplesmente desconhecidos, o peso dos seus actos varia de importância, o peso que lhes atribuo é distinto. Além de que o meu próprio pensamento é uma variável importante, a minha vontade só por mim conhecida que, também esta está hierarquizada por estratos, normalmente, a minha carreira profissional como mais importante até ao estrato mais baixo que será exactamente a importância dos actos daqueles que me rodeiam, por mais cliché que isso soe ao ouvido alheio.
                A vida é ciência exacta.
                Procuro no mundo tudo aquilo que desejo e sinto e sei que me torna completa. Tudo aquilo que sei que ele me pode oferecer. As paisagem que procuro são para meu pessoal prazer, e as viagem que faço enriquecem as minhas reflexões. Tanto na vida há para pensar, se as pessoas a isso estivessem dispostas. Perdem-se em materialismos incoerentes que não acrescentam nada ao seu ser.
                A vida é corpo.
                Também procuro tudo aquilo de físico que possa encontrar. Todo o prazer sensorial do ambiente que me rodeia, nos objectos que possuo, nas experiências por que passo. Cada um deles trazendo-me algo de novo, fazendo-me sorrir e sendo tudo aquilo que necessito.
Uma parte da vida que é terrena e palpável – um hipnotizar a mente com o simples gesto de deixar, calmamente, escorrer por entre os dedos, fileiras de fina areia; apertar os seus grãos na palma da mão e vê los voar, separadamente, em fila, enquanto os largo ao nível dos olhos.
                A vida é sonho.
                Procuro ser também tudo aquilo que não sou ainda, que talvez nunca seja. Imagino o futuro com mais fervor do que relembro o passado e sinto e sou já tudo aquilo que vejo, da mesma forma que ainda sou tudo aquilo que já fui. Tenho em mim todas as hipóteses do mundo. Tenho em mim todas as minhas personalidades, faces do mesmo dado que sou sempre eu.
                A vida é inocência.
                Acordo com arco-iris no tecto e musica na cabeça. Sorrio sempre que está sol e tento sempre beber a agua da chuva. Inspiro aquele ar quente das noites de verão, naquelas em que o vento solta os espíritos e, assim, leva também o meu a voar pela cidade. 
Olho a lua e vejo todo o seu mistério, personifico-a no meu pensamento. Escolhi uma estrela no céu de Inverno, ela é minha, mesmo que já só exista como luz. 
Vivo todas as vidas que desejo, fecho os olhos e represento-as como memoria da minha imaginação. 
Não sonho porque simplesmente vivo, sou o sonho e a vida e a esperança num corpo constante e imutável e seguro e belo. Sempre.
                A vida é viagem.
                Sigo todas as luzes da estrada. Deixo-me confundi-las pelo sol e, consciente do erro, sorrio. Sou todos os erros que cometi. Amo-os a todos pela alegria de viver que me trouxeram, pela sabedoria e historias para contar.
                A vida é defeito.
                É erro, é acaso, é estupidez. É o verdadeiro e puro ‘porque sim’. 
Mais alma que mente. Mais verdade que dissimulação ou ocultação de factos. As ilusões que me confundem diverte-me com um tom de sadismo apaixonante.
É mesmo o amor perpétuo e quase egoísta. Tenho ciumes de quem não nasceu ainda por tudo que irá viver. Tenho ciumes de quem já viveu e não vive mais pelo mesmo motivo.
Seria alma de eterna presença só para os poder conhecer, esses que já viveram e esses que ainda não vivem. Seria a sua simples sombra se o universo me permitisse.

Ou ciência, ou corpo, ou infinito. Seria-o todo ao mesmo tempo. Seria cada um na sua vez também.
Limito-me, no entanto, a ser eu.
Mais alma que soldado. Se for apatia, deixa ser.

Comentários

Mensagens populares